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Flavio Macedo Soares Correio da Manhã, Segundo Caderno, 20abril1966
Anteontem publicamos uma nota que continha o fato insólito de um homem chamado Mauricio Salgueiro, que ficava o tempo todo fabricando falsos telefones no Reino da Cariocália, com campainha e tudo. Nonsense, pensou quase todo mundo. Ou melhor, ninguém pensou isso porque a maioria das pessoas que se interessam por arte já conhece o trabalho de Mauricio, mas por uma razão ou por outra não associa falsos telefones com verdadeira escultura.
Estão enganados. Nos Estados Unidos já há quem fabrique uma máquina que se destrói a si mesma e se transforma em sucata. Aqui, nós acompanhamos como podemos. Como ainda não chegamos à fase autofágica, temos esse escultor
(prêmio de viagem, uma catapora na Grécia tratada por um médico com o nome genial de Doutor Papakos, e uma visita aos meteori, mosteiros gregos que ficam encarapitados no alto de uns recifes e turistas nenhum conhece) fabricando máquinas que não quebram mas não servem para nada - minto: servem para a fruição estética de quem as vê, e para alargar as fronteiras de nossa comunicação visual e artes plásticas.
Vocês já repararam no lirismo que têm as formas da cidade, os postes telefônicos, os tetos das casas? O homem primitivo vivia em contato com a natureza e tinha mesmo razões para pintar lagos, cascatas, árvores e florzinhas. O homem moderno tem muita vivência dessas coisas? Na maioria dos casos, não. Então por que não pintar, em vez de um pinheiro, um poste, da Light, e em vez de um caminho no bosque, um trilho de bonde? No fundo é a mesma coisa que se faz com a música concreta, reproduzindo através de ruídos mecânicos as vivências sonoras do nosso tempo.
Mauricio sentiu isso tudo e experimentou amplamente o desafio da Idade da Coca-Cola. Há nele não só uma tentativa de captar as flores do cimento armado, ferro e arame, como também uma outra maior. No seu ateliê do Cosme Velho, ele está produzindo "peças" (pois o nome de Escultura já se tornou insuficiente para descrever o trabalho que faz) que roncam, fazem Blip-Blip, tocam campainhas, e  coisa e tal. Aliás, esse tipo de pesquisa ele já vem fazendo há muito tempo, e todo o povo já ouviu falar - repetir isso aqui seria a pólvora, e uma pólvora apresentada inclusive na Bienal, ou descobrir o Hélio Pólvora (que fim levou ele?).
Mas voltando ao assunto, o que ainda precisa ser realçado é o quanto essa união som-imagem é parte importante das maiores correntes da atual arte de vanguarda. Um espetáculo chamado Ad Libitum, a ser encenado hoje sob a direção de Paulo Viard na Sala Cecília Meireles (e sobre o qual voltaremos a informar), tem numa escala maior exatamente o mesmo tipo de ambição: fundir a experiência estética isolada (no caso de Adi-lib é ballet, música de jazz e literatura), numa única festa de todos os sentidos. Esculturas de música concreta, está aí um passo importante nesse sentido.
É por isso que o Cosme Velho está vendo nascer o novo sob a forma dessas árvores eletrônicas, roseiras de science-fiction, trabalho de um artista muito dedicado e muito sério, que faz questão de guardar lado a lado com seus últimos trabalhos gravuras de Goeldi - como que para mostrar que é do respeito pelo já realizado que nasce a árvore do presente - e essa árvore tem galhos de metal.
Flavio Macedo Soares

© Mauricio Salgueiro 2022
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